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terça-feira, 21 de setembro de 2010

AFINAL, UM DIA DE CHUVA OU UM DIA DE TEMPESTADE?

SUPERAÇÃO

(Maria Luciene)

Caçula de uma família de cinco irmãs, tive uma infância modesta regada pela seiva do amor, do perdão, da solidariedade e dos princípios cristãos. Assídua às missas semanais, era comum a presença de padres paroquianos almoçando em minha casa nas tardes de domingo atendendo a convites da família. Minha irmã mais velha dividia o seu tempo entre ensinar o catecismo, fazer as leituras das missas dominicais e ministrar aulas para o curso Mobral, no salão paroquial da igreja do bairro onde morávamos. Apesar de ainda muito pequenina, alguma coisa dentro de mim me impulsionava a estar ao lado daquelas pessoas de raízes tão iguais. Sentia-me sensibilizada e ao mesmo tempo curiosa por ver como seria ensinar as primeiras letras àquelas mães...àqueles pais... a todos aqueles adultos, pessoas simples, olhares bondosos, semblantes cansados, às vezes tristes, assentados naqueles bancos, com os ouvidos atentos à voz da professora e o olhar fixo à lousa que pouco a pouco ia se enchendo de sinais. E foi assim, tendo como professora a minha irmã, que também aprendi a desenhar um pequenino bichinho, a cortar o seu rabinho vendo –o se transformar na letra T de tatu.

Finalmente chegou a minha vez de ser matriculada no grupo escolar. Naquela época era comum as crianças serem matriculadas diretamente na 1ª série, sem o preparatório do Jardim de Infância. Apesar de todo o empenho, não fui bem sucedida naquele início de caminhada. Reprovada ao final do ano por não dominar a prova de leitura, cheguei em casa triste, chorando muito e bastante envergonhada. Não houve repreensão. Recebi o carinho da minha mãe, que me colocou no colo, abraçou-me apertadamente enxugando-me as lágrimas, procurando me acalmar. Prometi -lhe que o fato jamais se repetiria, embora não tenha havido cobranças. Eu era uma criança quieta, reservada e muito tímida. Acho que o meu constrangimento fora maior porque havia sido a única reprovada dentre todas aquelas crianças da vizinhança que retornavam festivas do grupo escolar, com o boletim nas mãos, exibindo-o aos demais como um troféu.

No primeiro semestre daquela série repetente meu empenho fora bastante satisfatório. Não me recordo como as coisas aconteceram. Foi tudo muito rápido. Todas as semanas, as minhas redações iam para o mural como o destaque da turma. Lembro-me bem de uma única que não tivera o mesmo destino: o título era “Um Dia de Chuva”. Provavelmente aquela seria uma tarde chuvosa. Direcionei o meu texto falando que a chuva era muito importante para as plantas, as quais ficavam verdinhas e muito bonitas... Certamente me inspirei nas plantas cultivadas no jardim da minha modesta casa. A professora argumentou que eu não poderia ver bondade em tudo e em todos, concluindo que a chuva matava as plantas. Respeitei sua autoridade de mestra e o seu ponto de vista. Porém, nunca o aceitei. Se ela houvesse pedido “Um Dia de Tempestade...”

No dia do soldado daquele mesmo ano fui convidada a subir ao palco e ler uma mensagem acompanhada de um ramalhete de flores a ser oferecido a alguns daqueles homenageados, todos uniformizados, de semblantes afáveis. Não sei como consegui dar conta do recado. Eu tremia de medo de policiais. Um outro fato marcante é que próximo à minha casa morava uma vizinha analfabeta que gostava muito de mim e me confiava a leitura e escrita das suas cartas familiares. Sempre que chegava correspondência, minha mãe era procurada por um dos seus muitos filhos visando obter a concessão. Confesso que me sentia muito importante. Ela tinha um galinheiro cheio de galinhas.Todas as vezes que ia executar a tarefa eu ganhava um ovo de presente. Era a forma que ela encontrava para me agradecer. Como ninguém está isento aos reveses da vida, em outubro daquele mesmo ano o nosso bom Deus chamou para junto de si a minha mãezinha. Provavelmente cheguei em casa, mais uma vez, triste, porém com o passaporte para a 2ª série nas mãos, sem tê-la a me aguardar, com os olhos nadando em lágrimas de felicidade para me abraçar.

Herdei sua sensibilidade.

Como refúgio para conter aquela saudade que tanto me machucava o íntimo da alma continuei me dedicando à escrita. E assim, sempre aos finais de tarde isolava-me em um cantinho e ali, sozinha, era capaz de escrever-lhe carinhosas cartinhas que tinham o mesmo fim. Lidas, relidas e rasgadas, provavelmente sob muitas lágrimas. Sem perceber, a vida foi me transformando em uma pessoa triste.

Aos 13 anos venci um concurso de contos no colégio em que estudava sendo homenageada com uma medalha a qual, decorada com um lacinho de fitas nas cores da bandeira do Brasil, trazia as seguintes palavras: ”HONRA AO MÉRITO”. Recebi-a das mãos do meu professor de português, acompanhada das jamais esquecidas palavras: “VÁ EM FRENTE, MENINA! VOCÊ TEM FUTURO!” Mais uma vez, senti falta daquele caloroso abraço que só mãe sabe dar, guardei cuidadosamente aquele significativo prêmio e, quando me surpreendia contemplando-o chorava muito.

Acredito que ainda hoje a sensibilidade seja a minha principal característica.

Apesar da timidez, sempre muito solicitada por terceiros, não mais parei de escrever. Bem mais tarde pude compreender como as palavras proferidas pelos adultos podem interferir de forma positiva ou negativa na vida das pessoas, principalmente de um adolescente cuja fase de transformação o deixa tão vulnerável, propenso ao bem e ao mal com a mesma intensidade.

Às vezes, quando surpreendida em recordações, me vejo sentada em um dos muitos bancos que havia na cantina do grupo escolar, uma professora ao meu lado ocupando as duas mãos com um livrinho de historinhas infantis e eu ali, sozinha, certamente assustada com a sua presença, o coração disparado, pelejando para balbuciar algumas palavras que insistiam em não quererem sair, enquanto que as lágrimas iam rolando sobre o meu rosto. Vejo também que por detrás dessa farda que ainda hoje tanto deva incomodar a mim e a boa parte da sociedade podem se esconde pessoas muito humanas, de olhares bondosos e semblantes afáveis.

Visando aperfeiçoar-me na escrita optei pela faculdade de Letras. Quando me dei conta da situação já estava dentro de uma sala de aula, embora tenha sonhado ser jornalista...escritora...e jamais imaginado ser professora.

Sempre lecionei em escolas públicas. Os anos de sala de aula me levaram a colecionar vários portifólios contendo trabalhos produzidos pelos alunos e projetos concretizados, na esperança de um dia poder ver alguns desses publicados. Atuei como colunista em alguns jornais da região metropolitana de Belo Horizonte, sempre escrevendo sobre educação. Em 2008 lancei o livro : A Pureza de Um Anjo Muito Especial, o qual aborda o tema “perda”, dada a irreparável perda familiar, o que aconteceu naquele mesmo ano , levando-me ao desligamento de compromisso fixo com qualquer jornal. Situação essa que me roubou parte da motivação de viver, porém não me levou de todo o prazer de escrever.

A lição que tiro da minha própria história é que devemos acreditar tanto em nossos sonhos quanto na capacidade de superação dos obstáculos, caso queiramos, um dia, colher os frutos de um reconhecido e compensador trabalho.

Apesar de todos os reveses da caminhada, buscando entender os desígnios divinos através da espiritualidade, agora, mais do que nunca, sou capaz de compreender de onde vem a minha fonte de inspiração. Compreendo também que jamais estive sozinha nos momentos mais difíceis e mais especiais da minha vida. Embora a roupagem mude, acredito que os laços espirituais sejam eternos. Mais fortes ainda quando se mudam as dimensões. Acredito também que os princípios e os segmentos cristãos sejam o alicerce, a estruturação da família e o equilíbrio da humanidade.