Aluno indisciplinado
Alber F.Silva
13/07/2010
Fui um aluno considerado “indisciplinado”. Não sabia por quê, mas alguns sinais me diziam algo: perguntava muito, questionava mais ainda e era um pouco rebelde em relação a algumas normas que considerava “sem sentido”, tais como: usar uniforme dos pés à cabeça, ser impedida a entrada na escola caso a cor da meia não fosse a que complementava a composição do uniforme – no meu caso, branca. Por considerar um exagero determinadas regras disciplinares, entrei em conflito por várias vezes com a direção da escola, não por minha causa, e sim, por causa da punição aplicada aos outros colegas, o que eu achava injusto e explico por quê: Alguns desses moravam na roça, há uns 13 km de distância da escola, iam a pé, depois de uma manhã de trabalho árduo no campo ou na lavoura e, além de só encontrarem poeira pelo caminho e por vezes, necessitarem ir de chinelos ou mesmo de sapatos sem meias, depois de toda essa labuta para finalmente chegarem á escola ainda eram barrados na portaria! Ah...como isso me revoltava!Em sala de aula eu era uma pessoa educada, mas não concordava muito com a metodologia proposta. Também se me perguntassem, não saberia explicar por quê. Hoje vejo como as coisas estão mais claras em minha mente! Naquela época de garoto entrando na fase da adolescência eu já pensava que um bom um bom estudante em português se dedicar muito à leitura , o que automaticamente o motivaria a se dedicar também com afinco à escrita, vindo a efetuar ambos de maneira eficaz. Porém, para o meu desalento, essa metodologia de quem parecia estar sempre além do que o professor tinha a oferecer não era valorizada. O importante mesmo era a classificação e conjugação dos verbos e o entendimento da gramática, que gerava traumas nos alunos devido à exigência da disciplina e sua pouca praticidade associada a outras que exigiam muito da memória. O que se estudava era apenas para passar na prova. E tudo na base do “decoreba” ! E assim, subordinados a essa metodologia de ensino, mecânica e sem motivação, não se vivia e também não se aprendia! Lembro-me bem que questionava tudo isso e assim fui tachado de indisciplinado! Mesmo tento um bom relacionamento com todos, sentia que não me compreendiam!A palavra indisciplina sempre esteve presente em minha vida – talvez pelo meu passado de estudante questionador- ,e mesmo que você faça um grande esforço para superar o rótulo, essa pecha continua a incomodar. E como incomoda!Quando entrei para a faculdade, procurei ser um bom estudante. E fui. Mas até lá arrumei problemas na tentativa de, se não aceitassem, pelo menos respeitassem os meus pontos de vista. Envolto à formação do DCE logo no primeiro ano por entender que nós, estudantes, éramos sempre os mais prejudicados na relação com a diretoria , diante da eufórica mobilização do pessoal – que causou muito barulho- na tentativa positiva de equilibrar as forças em prol de um bem comum, , mais uma vez fui tachado de indisciplinado!Nunca aceitei ser somente um objeto dentro da sala de aula. Lutei pela participação dos alunos na confecção das normas da escola –hoje chamadas normas disciplinares ou contrato de convivência-, lutei pela criação de grêmios estudantis e também pela maior valorização do estudante enquanto pessoa que pensa, pessoa essa, na maioria das vezes, tão oprimida em suas potencialidades.Em 1995, quando me formei , busquei a capital para trabalhar.A luta não fora fácil. No dia 03 de fevereiro de 1997, pisei, pela primeira vez como professor, em uma sala de aula. Apesar da ansiedade de todo iniciante independente da profissão para a qual investiu anos de preparo, sentia-me liberto de tantas e tantas prisões acumuladas podendo, finalmente, colocar em prática tudo o que eu acreditava , apesar do receio de continuar sendo tachado – agora pelos colegas de trabalho – de indisciplinado! Diferentemente da época em que eu estudava, sendo que , dada a entrada do professor em sala , todos já se encontravam quietos, quase que imóveis assentados em suas carteiras a aguardar o início da aula, o que encontrei foi uma sala descomposta, meninos e meninas gritando e brigando...uma loucura! Meu Deus... E eu era o que, querendo ou não, carregava o rótulo de aluno indisciplinado... Seria aquela a liberdade pela qual tanto sonhara e lutara? Não! A cena que vi jamais imaginei para a escola! Decepção logo no primeiro dia de trabalho? Não propriamente decepção. Fomos de um extremo a outro; enquanto tempos atrás ninguém falava nem criticava nada, me vi diante do oposto: todos falavam demais e não paravam. Confesso que foi o caos. Pensei comigo: o que fazer?Os portugueses, no processo de dominação da América, acreditavam e assim fizeram que o primeiro passo seria aprender a linguagem do ameríndio para então compreender a realidade existente vindo estabelecer laços e, após, iniciar o processo de conquista.Essa foi a ideia que tive! Busquei investir nesse procedimento e, aos poucos, fui me aproximando dos alunos; fui procurando conhecer cada realidade e somente depois traçado o perfil dos alunos parei, pensei e expus-lhes como seria efetuado o trabalho.Enquanto a maioria dos professores deveria estar tão somente preocupada em vencer conteúdo,compreendi que aquela minha metodologia de buscar primeiramente uma interação conjunta provavelmente conduziria os alunos a um melhor interesse e entendimento do conteúdo proposto.Para que o nosso esforço venha a alcançar objetivo penso ser assim que propostas pedagógicas devam se encaminhar. A falta de educação formal, aquela do respeito, do companheirismo e dos bons modos, hoje permanece sofrível. Há uma carência de bons exemplos, ou seja, princípios básicos de educação no círculo familiar , o que se revela tão perceptível no dia a dia onde, de um modo geral, não nos deparamos tão somente com os nossos alunos.E assim, em sala de aula, mesmo conseguindo um determinado controle e mais harmonia coletiva, por vezes, os problemas se afloravam de forma surpreendente. de repente, eram pequenas violências que tomavam proporções exageradas, grandiosas. Uma simples agressão motivada por um xingamento, uma gozação,um apelido ou mesmo uma agressão física mais séria , motivada por um tapa, eram o suficiente para a turma virar um pandemônio, independentemente de haver ou não professor em sala. Em alguns casos, as consequências se revelavam pós muro da escola . Quando fatos assim aconteciam, a aula era praticamente considerada encerrada ,uma vez não mais sendo possível retomar a passividade do ambiente. E o mais decepcionante , não só para mim, mas acredito,para a maioria dos educadores,era no dia seguinte entrar na sala de aula e lá encontrar todos os envolvidos – suspensos no dia anterior como forma de punição à atitude arredia- , transitando livremente pelas dependências da escola se sentindo verdadeiros heróis! Passei a compreender que há uma ideologia presente em nossos dias que instiga a idealização do herói-bandido motivada pelos vídeo-games, programas de TV e a imprensa como um todo, já que não temos pais –heróis e tão pouco mães-heroínas, restando aos mesmos assumirem este infeliz papel que, a cada dia, ganha mais e mais força diante da impotente sensação de impunidade.Convidado a ocupar o cargo de vice-diretor em uma escola pública da rede estadual,minha primeira meta foi procurar observar à distância a questão da indisciplina. Logo, devido às queixas dos professores, iniciei um processo de sistemática vigilância sem se tratando daqueles alunos que me eram apontados como rebeldes, indisciplinados e difíceis, em muito vindo a perturbar o ambiente escolar. Um fato me chamou a atenção: cada vez que tomava as medidas que pensava serem as mais certas,vindo até mesmo punir corretivamente e suspender das próximas aulas, tão logo retornavam o problema continuava . Esses alunos, de quem eu tanto aprendera a gostar, eram, na maioria das vezes, meninos e meninas pobres que, apesar de morarem em favelas, eram seres bons , “gente boa”, com quem o destino não havia sido camarada.Mais uma vez passei a investigar as reais causas dos problemas a mim apresentados e compreendi que aqueles alunos de 5ª e 6ª séries considerados assim tão difíceis possuíam baixa autoestima, se quer sabiam ler e escrever vindo a se tornar arredios pela falta de compreensão do que era ministrado em sala de aula , causando problemas que os professores não suportavam ; problemas esses denominados indisciplina. É evidente que se não buscamos compreender o porquê de determinadas atitudes em sala de aula e junto com o corpo discente discutirmos alternativas visando o aprendizado e resgate de cidadania, é impossível que o aluno participe é se sinta confortável junto aos demais colegas. Retirá-lo de sala de aula a cada nova atitude considerada desrespeitosa sem tomar nenhuma atitude concreta é simplesmente fechar os olhos ao problema.Hoje este se tornou um fato comum de todas as escolas: alunos iletratos continuando o processo escolar , queimando etapas que dificultam cada vez mais o entendimento do real objetivo da educação escolar. Nessa época em que fui diretor propus e até cheguei a reunir em uma sala os alunos de diferentes turmas que tinham esse perfil e, com a ajuda de uma supervisora comecei a fazer um trabalho de base no qual estava inserida a alfabetização.Percebi que à medida que esses alunos preenchiam algumas lacunas em relação à base educacional , o rendimento, motivado pelo entendimento, e o comportamento melhoravam sensivelmente, melhor dizendo, notoriamente em sala de aula.
Alber Fernandes Silva / 2001
Publicação parcial: Jornal Hoje em Dia – 02/06/2010
Jornal O Tempo - 13/07/2010
Nota: Alber Fernandes hoje é diretor da E.E.Três Poderes- localizada na região da Pampulha, uma das maiores escolas estaduais de Belo Horizonte , estando em seu segundo mandato , eleito pelo voto democrático.