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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

EDUCAÇÃO


Violência juvenil: uma abertura para o debate


(Paulo Germano Marmorato)

Crianças e adolescentes envolvidos em atos violentos despontam nos dias de hoje como problema alarmante para famílias, escolas e sociedade em geral. O assunto ganha destaque sempre que a mídia expõe algum ato criminoso praticado por jovens, mobilizando as mais diversas opiniões. De fato, são notórios os crescentes índices de criminalidade envolvendo jovens em idade precoce, tanto no Brasil quanto em países mais desenvolvidos. Professores queixam-se da postura desrespeitosa e desafiadora de muitos alunos – e o que era uma exceção há algumas décadas tornou-se hoje ocorrência comum. O fenômeno do bullying, práticas intimidativas de humilhação e coerção de alunos mais frágeis pelos seus próprios colegas acontece eminentemente no ambiente escolar; e mesmo o consumo de drogas chega a ser banal em algumas escolas. Pais e educadores sentem-se, com frequência, impotentes e desorientados sobre como agir diante desses fatos.

"A agressividade é considerada uma manifestação natural do ser humano ao longo do seu desenvolvimento"

Pontos de vista simplistas geralmente levam a soluções unilaterais (como o aumento do rigor das punições) que se revelam ineficazes, pois não resolvem o problema do jovem nem da instituição, seja escolar ou familiar. Na realidade, este tema complexo merece debates sérios e abrangentes – e os envolvidos devem unir-se na responsabilidade da busca de soluções. Uma grave falha, até agora, tem sido o pouco envolvimento de profissionais de saúde mental (como psiquiatras, psicólogos, entre outros) na discussão e no cuidado desses casos. Considerando saúde mental como “estado caracterizado pelo desenvolvimento equilibrado da personalidade de um indivíduo, boa adaptação ao meio social e boa tolerância aos desafios da existência individual e social” (dicionário Houaiss, 2001), devemos admitir que comportamentos reiteradamente anti-sociais requerem atenção especial dos profissionais da área, que podem contribuir com conhecimentos específicos.

A agressividade é considerada uma manifestação natural do ser humano ao longo do seu desenvolvimento. Crianças pré-escolares habitualmente respondem de forma agressiva a uma série de estímulos, munidas de mecanismos de defesa que o instinto de preservação da espécie garantiu-lhes diante de possíveis ameaças; a natureza às vezes parece corroborar que “a melhor defesa é o ataque”. Com o tempo, desenvolvem outros meios de lidar com as adversidades e o uso da linguagem verbal é central neste processo: os impulsos passam a ser mediados pelas palavras na busca de suas necessidades. Ao longo do desenvolvimento, porém, existem diversos fatores que podem prejudicar o amadurecimento cerebral e a aquisição de capacidades essenciais para uma socialização saudável. Estes fatores podem ser tanto biológicos – uma herança genética de forte tendência à impulsividade, por exemplo – quanto ambientais: contato afetivo pobre ou abusivo por parte de familiares ou ainda condições sociais desfavoráveis, levando a privações alimentares, educacionais e de saúde, entre outras.

Quando comportamentos agressivos ou anti-sociais tornam-se freqüentes no modo de uma criança lidar com as pessoas com quem convive, devemos dirigir uma atenção especial a ela. Antes de medidas práticas, é fundamental a consideração do contexto da criança, os fatores possivelmente envolvidos e a compreensão de sua condição psíquica. As causas geralmente são múltiplas e bastante imbricadas. Apesar da existência de pontos comuns nos casos observados, cada família tem história e constituição particulares que devem ser apreciadas.

A psiquiatria atual denomina de transtorno de conduta o diagnóstico de crianças e adolescentes que apresentam um padrão de persistente agressividade, furtos, vandalismo, fugas de casa e da escola, destruição de propriedade e outros comportamentos designados de anti-sociais, em que são violados os direitos básicos alheios, desviando-se das normas e regras sociais apropriadas a cada faixa etária. O transtorno opositivo desafiador, uma forma mais branda do transtorno de conduta e seu freqüente precursor, é conceituado como um padrão duradouro de comportamento negativista, hostil e desafiador frente a figuras de autoridade; as relações sociais estão mediadas por irritabilidade, intolerância e sentimentos de raiva, mas neste caso não ocorrem sérias violações dos direitos alheios. Estes diagnósticos não são considerados doenças, pois suas causas e funcionamentos estão longe de ser completamente entendidos. Ainda assim, podem ser úteis como parâmetro inicial para avaliação e condução clínicas, desde que não se tornem um estigma para os jovens diagnosticados e suas famílias. O uso cuidadoso dos diagnósticos também pode contribuir para estudos sobre causas e tratamentos desses transtornos.

"A maioria dos jovens envolvidos (com distúrbios) apresenta histórico de fracasso escolar, dificuldades incomuns em estabelecer relações sociais duradouras e gratificantes, com convívio familiar marcado por desentendimentos e hostilidade"

Sabe-se, por exemplo, que é alta a co-ocorrência de outros quadros psiquiátricos, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), distúrbios de aprendizagem, depressão e transtornos ansiosos, assim como abuso e dependência de drogas. A maioria dos jovens envolvidos apresenta histórico de fracasso escolar, dificuldades incomuns em estabelecer relações sociais duradouras e gratificantes, com convívio familiar marcado por desentendimentos e hostilidade. Uma parcela significativa evolui na vida adulta, com problemas de baixa qualificação profissional, desemprego, vinculações afetivas problemáticas e criminalidade. Os tratamentos devem integrar uma série de medidas: acompanhamento psicológico, uso de medicações e orientação das famílias e escolas envolvidas.

Apesar da possível gravidade na evolução do quadro e do diagnóstico freqüente na infância e adolescência, respondendo por 5% a 7% de todos jovens, estes fatos são ignorados e a grande maioria dos pacientes e suas famílias não recebem nenhuma assistência. Cabe, portanto, aos profissionais de saúde, escolas, famílias e outras instâncias da sociedade a busca pela mudança dessa situação por meio da cooperação de suas forças e recursos para impedir a perpetuação e agravamento destes quadros, dando lugar à socialização saudável dessas crianças e adolescentes com dificuldades particulares no convívio social.

(Paulo Germano Marmorato é psiquiatra da Infância e Adolescência do Ambulatório de Socialização do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e do SINAL – Socialização da Infância e Adolescência Laborada)