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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

LITERATURA

“Iracema”, o romance indianista de José de Alencar


Livro mistura elementos indígenas mitológicos com históricos em busca da formação de uma identidade nacional


Marina Morena Costa - iG São Paulo


A história da índia Iracema que se apaixona por um europeu, Martim Soares Moreno, personagem histórico real, mistura aspectos mitológicos da cultura indígena com a colonização do Brasil. Publicado em 1865, “Iracema”, do escritor cearense José de Alencar, é um romance escrito em prosa poética, o que dá a obra uma dimensão mítica, de lenda, mas sempre apoiada em um argumento histórico.

“Para alguns críticos o primeiro brasileiro aparece na figura de Moacir – filho da união da índia Iracema com o elemento colonizador, Martim. É a formação da identidade nacional simbolizada nesse encontro”, avalia Marcelo Almeida Peloggio, professor e Coordenador do Grupo de Estudos José de Alencar, na Universidade Federal do Ceará.

Autor de teses de mestrado e doutorado sobre o Alencar, Peloggio destaca a importância da compreensão da simbologia utilizada pelo autor. Mito e história se complementam na obra. “Iracema vai sendo esmaecida pelo fator histórico, que é a chegada dos portugueses e a ocupação da terra. É uma representação do que houve com a população indígena, que foi dizimada ou sofreu aculturação”, afirma o professor.

Durante a leitura, é importante que os estudantes estejam atentos a alguns pontos. Peloggio destaca a riqueza poética, a valorização da natureza, a celebração das características brasileiras, próprias do romantismo. “É importante perceber a cor local que Alencar imprime na obra ao valorizar os elementos. Pássaros, árvores, animais, a linguagem e o cenário do Ceará do século 17.”

Os estudantes também devem notar a harmonia que havia entre Iracema, sua tribo e sua terra, e como essa relação pacífica é quebrada a partir do momento em que o elemento histórico (a colonização portuguesa) avança e domina. “Quando Iracema se entrega a Martim, ela rompe os laços sagrados com a sua tribo e sai da esfera mítica para entrar na esfera da história. Alencar mostra a dura realidade do povo indígena e do combate civilizatório que se travou naquele momento.”

Identidade nacional

A heroína é idealizada, representante da natureza brasileira e símbolo da perfeição. Martim é o colonizador: desperta curiosidade e fascínio, traz o amor e a desgraça para Iracema (representa a destruição para as tribos indígenas). A narração em terceira pessoa, deixa, por vezes, entrever a primeira pessoa, um eu (narrador) saudoso de sua terra natal. “É uma obra que busca criar uma identidade nacional, um símbolo da nacionalidade brasileira que era uma necessidade da sociedade naquele tempo”, resume Peloggio.


“Auto da Barca do Inferno”, uma peça com quase 500 anos


Texto de Gil Vicente, escritor português, coloca personagens perante um julgamento moral

Marina Morena Costa - iG São Paulo

Em um porto, almas encontram duas barcas: uma vai para o Inferno, comandada pelo Diabo, e a outra, a da Glória ou do Paraíso, segue para o céu, liderada pelo Anjo. A peça teatral de Gil Vicente, escrita em 1517, é composta de pequenas esquetes, cenas nas quais personagens representantes dos diferentes tipos da sociedade medieval portuguesa encaram o destino após a morte.

“Nenhuma personagem tem nome. Elas são chamadas pela profissão ou função social – Fidalgo, Agiota, Parvo (débil, tolo, inocente), Frade, Judeu, Juiz, Procurador – ou por nomes populares. Representam tipos sociais em um auto da moralidade católica”, explica Márcio Ricardo Coelho Muniz, professor de Literatura Portuguesa da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador da literatura medieval portuguesa.

Todas elas carregam consigo objetos que representam sua classe social, seu apego à vida terrena e aos prazeres. O destino está traçado, não há negociação. Durante o diálogo com o Diabo e o Anjo, Gil Vicente mostra as razões da condenação – ou da absolvição – criando um discurso moral, porém irônico, satírico, sem o peso da moralidade. “Algumas personagens, ao final da cena, tomam a consciência de que são pecadores, mas não são todos”, afirma Muniz, que estuda a lírica trovadoresca galego-portuguesa e o Teatro de Gil Vicente.

A peça traz representantes das três grandes instituições da sociedade medieval: nobreza (fidalgo), igreja (frade) e justiça (Juiz). “São os sustentáculos da sociedade do antigo regime”, diz Muniz.

O leitor deve ter em mente que Gil Vicente era um autor da corte, financiado por ela, e era para o rei e a grande nobreza que ele escrevia suas peças. “O ‘Auto da Barca do Inferno’ circulou pela sociedade portuguesa, foi representado em feiras e festas populares. Mas a moralidade cristã que ele traz era uma mensagem para a nobreza”, explica Muniz.

Linguagem

Uma das chaves para a compreensão do texto é a linguagem. Por ser muito antigo, o texto traz um vocabulário próprio da época, por isso é importante ter uma edição que traga um bom glossário. “A linguagem é um elemento de dificuldade, mas não é uma barreira. Os estudante deve trabalhar com o sentido geral, com a caracterização da personagem e a argumentação durante os diálogos. Ele não deve esperar que vá entender palavra por palavra”, avisa Muniz.

O professor destaca ainda habilidade linguística de Gil Vicente para criar discursos cômicos, líricos, religiosos e morais. “Há uma série de brincadeiras no texto. Uso de diminutivo, ironias. Essas são as nuances que os estudantes devem observar durante a leitura.”