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domingo, 9 de janeiro de 2011

LITERATURA

“O Cortiço”, um retrato da vida urbana no fim do século 19

Romance ambientado no Rio de Janeiro desenha painel da sociedade brasileira e de suas relações sociais, econômicas e de poder

(Marina Morena Costa, iG São Paulo)

Denunciar as mazelas sociais e se afastar da visão fantasiosa da vida, presente no romantismo. Estes eram os principais objetivos do movimento literário Realismo-Naturalismo, no qual “O Cortiço” se insere. O romance de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, desenha um amplo painel da sociedade do Rio de Janeiro do fim de século 19 e de suas relações sociais.

“Esse livro é um cânone. É um dos primeiros que trata, sobretudo, das personagens que trabalham. Ele dá visibilidade à figura do trabalhador”, destaca Angela Maria Rubel Fanini, doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autora da tese “Os romances-folhetins de Aluísio Azevedo: aventuras periféricas”.

Em “O Cortiço” temos uma gama de personagens trabalhadores, de diferentes profissões – lavadora, ferreiro, operário – reflexo das transformações que o País enfrentava: determinação do fim do tráfico negreiro (1850) e da escravatura (1888), decadência da economia açucareira, industrialização e crescimento das cidades. Azevedo tenta fotografar o real e traz todos esses elementos e conflitos para o romance.

A história se dá em dois ambientes principais bem diferentes, o cortiço do João Romão e o sobrado do Barão Miranda, figura que representa a elite brasileira. “Temos a presença de várias camadas sócio-econômicas, desde a classe dos mais humildes, passando pela pequena classe média, burguesia e elite. O autor faz uma síntese da sociedade naquela época”, ressalta Angela, que também é professora de Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Angela aconselha os estudantes a prestarem atenção nos diversos conflitos que a obra apresenta. “Há relações de conflito interracial, oposição entre escravidão e trabalho livre, brasileiros e portugueses – havia uma animosidade, por conta da colonização”, afirma a professora.

O romance pretende denunciar a exploração do homem pelo próprio homem, expondo situações e relações de poder dentro de uma habitação coletiva. A leitura atenta leva a compreensão da proposta do Realismo-Naturalismo, que era pautado pela razão e pretendia fazer uma investigação, quase científica, dos mecanismos sociais.


DOM CASMURRO

Um homem que acredita ter sido traído pela esposa com o melhor amigo relembra o caso “Dom Casmurro”, o enigma nunca desvendado de Machado de Assis


Romance tido por décadas como uma história de traição desperta dúvidas no leitor até e faz um ajuste de contas com o passado. “Dom Casmurro”, romance de Machado de Assis publicado em 1899, contém enigmas que ainda ecoam. “Como não é um livro transparente, contribui para o interesse do leitor e permanece sendo lido até os dias de hoje”, afirma Luís Augusto Fischer, crítico literário, escritor e estudioso da obra de Machado.

Por décadas, o livro foi visto como uma história de traição. Somente 60 anos depois surgiu a dúvida se de fato Capitu teria traído Bentinho, narrador que conta a história em primeira pessoa. “Betinho faz a denúncia e o julgamento. Ele é advogado – imagem que devemos olhar com certa prudência – e o que sabemos de Capitu é o que ele diz. Como ele é um sujeito simpático, o leitor tende a acreditar em sua versão”, analisa Fischer, doutor em Letras e também professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).


Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros

Considerado um dos melhores livros da literatura brasileira, “Dom Casmurro” é uma espécie de marco na obra do escritor brasileiro. “Representa a maturidade do Machado de Assis, o ponto de chegada do melhor escritor brasileiro”, diz Fischer.

Para o leitor que está começando a se aventurar na obra machadiana há duas coisas que precisam ser observadas: o enredo – as coisas que acontecem na história, as peripécias – e o narrador. Segundo Fischer, nas obras de Machado é absolutamente imprescindível prestar atenção em quem está falando, porque o narrador nunca é completamente inocente. “Machado não pratica um realismo simples.”

Ciúmes

Apesar de o ciúme ser o assunto que Bentinho coloca em primeiro plano, é preciso prestar atenção também no que ele não diz. “Se o leitor tiver cautela, perceberá que o sujeito tem outras questões”, alerta o professor da UFRGS. Bentinho é um homem que recebeu uma herança bastante razoável de sua família, enquanto Capitu é uma menina de classe média baixa. “O tema da ascensão social aparece e desaparece no romance. Bentinho olha para Capitu com um pouco de preconceito de classe.”

Também é importante estar atendo aos personagens coadjuvantes. “São figuras impressionantes, como José Dias, o agregado. Vive na casa sem função clássica, uma espécie de faz tudo que ao mesmo tempo não é nada”, destaca Fischer. A posição social e o mundo do Segundo Reinado do Império são elementos muito importantes na obra.