Alunos imigrantes sofrem com adaptação em escolas públicas
Crianças apresentam dificuldades com português, e Estado não tem ação específica de suporte
PUBLICADO EM 19/06/16 - 03h00
Joana Suarez
Aula de português. O professor pede para a turma falar
sobre os acessórios de trabalho de diferentes profissionais. Engenheiro usa o
quê? “Régua, capacete, calculadora, trena”, respondem os estudantes do sexto
ano. Mirlene Jeanlys, 12, é uma das alunas mais dedicadas, mas, dessa vez, não
conseguiu participar como queria. Quando era para falar sobre o médico, ela
lembrou de uma palavra que conhecia: “Vacina”, disse baixinho do canto da sala.
Mesmo após três anos estudando no Brasil, essa disciplina ainda é a mais
difícil para a menina, que nasceu no Haiti, país caribenho onde a língua
materna é o crioulo haitiano.
Na Escola Estadual José da Silva Couto, em Contagem, na região metropolitana da
capital, são oito haitianos em diferentes séries. Alguns estão há dois anos,
outros há três, mas há quem chegou neste semestre. A reportagem visitou a
instituição por dois dias e percebeu o esforço de todos para se adaptarem ao
idioma e à cultura.
Mirlene e seus três irmãos estudam nesse colégio desde 2013. Eles conseguem se
comunicar bem, mesmo com o acentuado sotaque francês – idioma oficial do Haiti
e fonte inspiradora para o crioulo falado por eles. Ainda trocam as letras R
pelo L e se confundem nas flexões de gênero. Mas é na hora de recorrer à
gramática e interpretar textos que eles se deparam com o maior dos desafios em
sala: buscar entendimento com colegas nativos da língua. “Gosto da aula de
português, mas é muito difícil”, justificou Mirlene, soando como uma confissão,
pois ela se esforça para se destacar pelas notas altas.
Sem suporte. Não há uma ação institucional específica voltada
para a adaptação dos imigrantes na rede estadual mineira nem preparação dos
educadores. A Secretaria de Estado de Educação informou que fica a cargo das
unidades desenvolverem esse trabalho. Na Escola José da Silva Couto, como não
existe um profissional disponível para atuar diretamente com os haitianos, a
direção busca alternativas para conseguir “encaixar” os estrangeiros. Uma delas
é colocá-los, no primeiro mês, em turmas de alfabetização, independentemente da
idade, para aprender português, e depois reclassificá-los na série correta.
“Eles chegam aqui para fazer a matrícula com um documento que a gente entende
que seja o histórico escolar. Tem casos que não dá para colocar no 1º ano,
porque se essa aluna (mais velha) é inteligente, isso desestimula”, explicou a
supervisora da escola, Maria da Glória Barros. O nível de português de uma
menina de 15 anos pode ser menor que o de brasileiros de 6 anos, por exemplo,
mas, segundo a professora do idioma para estrangeiros Bruna Cohen, essa garota
“tem uma consciência linguística diferente, por ser mais adulta”.
A outra opção da escola é uma educadora que trabalha na secretaria, no tempo
livre, e dá uma espécie de “reforço” para os estrangeiros. Mas, muitas vezes,
são os próprios imigrantes que estão mais adaptados que costumam ser chamados a
auxiliar os novatos nas salas de aula. Uma haitiana, que está hoje no ensino
médio, no início, assistia aulas com uma estudante conterrânea do ensino
fundamental.
Os professores dizem que os haitianos são tranquilos e dedicados, sendo assim,
o menor dos problemas na escola. Mirlene Jeanlys teve a ajuda de um padre
voluntário que dava aulas na região. Ela copiava as palavras para assimilar
melhor.
“Depois comecei a fazer as frases. Quando aprendi (um semestre depois),
melhorei nas disciplinas. Antes, tirava nota baixa porque eu não entendia.”
Mirlene admite ter predileção por matemática e espanhol, e, nessa última
matéria, até ajuda o professor, Em seu país, essa língua faz parte do
currículo.
Estudo da língua é diferente para nativo e estrangeiro
O estudo de português quando se refere à língua materna do aluno é mais
avançado, como explicou Bruna Cohen, professora estagiária do projeto de
português para imigrantes refugiados do curso de letras da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG). “Já no ensino de português para estrangeiros, a língua
tem que ser entendida como cultura. O professor tem que ser um mediador de um
choque cultural”, afirmou. E isso fica evidente quando essas crianças descobrem
novos sentidos e significados.
No momento em que o professor começou a abordar as palavras que expressam
sentimentos na escola de Contagem, Mirlene Jeanlys, por exemplo, lembrou que no
francês não existe o vocábulo saudade, mas ela entendeu que é isso que sente
quando se recorda do seu irmãozinho de 1 ano e meio, que morreu em um hospital
público da cidade mineira.
Já na lição sobre expressões coloquiais, como “jucar” e “chamar o Hugo”, que
significam vomitar, a haitiana ficou “boiando” – o mesmo que “não entendeu
nada”. Da mesma forma que não compreende todo o linguajar da meninada, Mirlene
não assimilou que a merenda servida na escola é o feijão tropeiro. “Isso é
farofa com feijão”, repetia, sem ter muita ideia de como é feito um dos
principais pratos típicos do Estado.
Relações. A julgar pelo sorrisão de Skensly Altema, 8, que está
há dois anos no Brasil, parece que o pequeno já está bastante adaptado na
escola. Quando ele viu que ia sair na foto, “gastou” no linguajar local: “Ixe,
como faço para ‘escapar’ dessa?”.
Mesmo bem descolado, Skensly demonstrou não estar tão familiarizado com
muitas palavras. Ao somar 200 mais 200 em uma aula, não lembrava que o
resultado dessa conta poderia ser respondido com quatrocentos: “Como chama
aquele que é um quatro com dois zeros?”, perguntou.(JS)
Números
2.511 Estrangeiros estudam em 926 escolas de Minas Gerais
35.398 Imigrantes vivem no Estado, registrados entre 2010 e
2015
1.698 Haitianos estavam regulares em MG até dezembro de 2015
Na Escola Estadual José da Silva Couto, em Contagem, na região metropolitana da capital, são oito haitianos em diferentes séries. Alguns estão há dois anos, outros há três, mas há quem chegou neste semestre. A reportagem visitou a instituição por dois dias e percebeu o esforço de todos para se adaptarem ao idioma e à cultura.
Mirlene e seus três irmãos estudam nesse colégio desde 2013. Eles conseguem se comunicar bem, mesmo com o acentuado sotaque francês – idioma oficial do Haiti e fonte inspiradora para o crioulo falado por eles. Ainda trocam as letras R pelo L e se confundem nas flexões de gênero. Mas é na hora de recorrer à gramática e interpretar textos que eles se deparam com o maior dos desafios em sala: buscar entendimento com colegas nativos da língua. “Gosto da aula de português, mas é muito difícil”, justificou Mirlene, soando como uma confissão, pois ela se esforça para se destacar pelas notas altas.
Sem suporte. Não há uma ação institucional específica voltada para a adaptação dos imigrantes na rede estadual mineira nem preparação dos educadores. A Secretaria de Estado de Educação informou que fica a cargo das unidades desenvolverem esse trabalho. Na Escola José da Silva Couto, como não existe um profissional disponível para atuar diretamente com os haitianos, a direção busca alternativas para conseguir “encaixar” os estrangeiros. Uma delas é colocá-los, no primeiro mês, em turmas de alfabetização, independentemente da idade, para aprender português, e depois reclassificá-los na série correta.
“Eles chegam aqui para fazer a matrícula com um documento que a gente entende que seja o histórico escolar. Tem casos que não dá para colocar no 1º ano, porque se essa aluna (mais velha) é inteligente, isso desestimula”, explicou a supervisora da escola, Maria da Glória Barros. O nível de português de uma menina de 15 anos pode ser menor que o de brasileiros de 6 anos, por exemplo, mas, segundo a professora do idioma para estrangeiros Bruna Cohen, essa garota “tem uma consciência linguística diferente, por ser mais adulta”.
A outra opção da escola é uma educadora que trabalha na secretaria, no tempo livre, e dá uma espécie de “reforço” para os estrangeiros. Mas, muitas vezes, são os próprios imigrantes que estão mais adaptados que costumam ser chamados a auxiliar os novatos nas salas de aula. Uma haitiana, que está hoje no ensino médio, no início, assistia aulas com uma estudante conterrânea do ensino fundamental. Os professores dizem que os haitianos são tranquilos e dedicados, sendo assim, o menor dos problemas na escola. Mirlene Jeanlys teve a ajuda de um padre voluntário que dava aulas na região. Ela copiava as palavras para assimilar melhor.
“Depois comecei a fazer as frases. Quando aprendi (um semestre depois), melhorei nas disciplinas. Antes, tirava nota baixa porque eu não entendia.” Mirlene admite ter predileção por matemática e espanhol, e, nessa última matéria, até ajuda o professor, Em seu país, essa língua faz parte do currículo.
No momento em que o professor começou a abordar as palavras que expressam sentimentos na escola de Contagem, Mirlene Jeanlys, por exemplo, lembrou que no francês não existe o vocábulo saudade, mas ela entendeu que é isso que sente quando se recorda do seu irmãozinho de 1 ano e meio, que morreu em um hospital público da cidade mineira.
Já na lição sobre expressões coloquiais, como “jucar” e “chamar o Hugo”, que significam vomitar, a haitiana ficou “boiando” – o mesmo que “não entendeu nada”. Da mesma forma que não compreende todo o linguajar da meninada, Mirlene não assimilou que a merenda servida na escola é o feijão tropeiro. “Isso é farofa com feijão”, repetia, sem ter muita ideia de como é feito um dos principais pratos típicos do Estado.
Relações. A julgar pelo sorrisão de Skensly Altema, 8, que está há dois anos no Brasil, parece que o pequeno já está bastante adaptado na escola. Quando ele viu que ia sair na foto, “gastou” no linguajar local: “Ixe, como faço para ‘escapar’ dessa?”.