Pesquisa blog

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

27 DE SETEMBRO - DIA NACIONAL DO IDOSO

O IDOSO NÃO É PASSADO MAS PERSPECTIVA DE FUTURO


Apesar da experiência que carrega, acumulada ao longo de muitos anos, o idoso não é apenas uma herança do passado — ele é perspectiva de futuro, na medida em que espelha o que os mais jovens poderão ser

A idade, assim como o número de filhos, já foi um patrimônio natural de homens e mulheres. Os textos sagrados das grandes religiões costumam abençoar a prole e louvar a longevidade. No Antigo Testamento, por exemplo, os heróis bíblicos são quase todos idosos, que contam a vida quase em séculos, carregando nos ombros uma experiência de muitos anos. Moisés, que conduz seu povo pelo deserto, é o protótipo do herói maduro, capaz de compreender que seus ombros “suportam o mundo”, para usar um verso do poeta Carlos Drummond de Andrade, ele próprio alguém que se tornou idoso.

Nas tradições de diferentes povos, o ancião ocupa um lugar de destaque. É o sábio da tribo, aquele que, com a experiência acumulada em muitos anos de alegrias e dores, já não se surpreende tanto com a vida e sabe aceitá-la com serenidade. Valendo-se desta capacidade que lhe foi dada pelo tempo, o ancião se encarregava de guiar a comunidade, aconselhar os mais jovens, apaziguar os espíritos. Quem, senão ele, conhecia o hábito da caça e os procedimentos para alcançá-la?

Tão remoto como a existência humana na face da terra, o respeito pelos mais velhos permeou diversas culturas e atravessou todas as épocas. Nas sociedades recentes, esse respeito manteve-se quase inabalável nas pequenas comunidades rurais, em que a palavra dada, junto com outros valores da tradição, sustentava uma vida recorrente em seus próprios ciclos, absorta em si mesma. O tempo não fluía, vertiginoso, era cíclico, marcado pelo ir e vir das estações, pelo tempo das frutas, pelo cio dos animais. Esse modelo de vida inspirou poetas, desde o clássico Virgílio, na antiga Roma, até o inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, que, no papel fictício de um pastor de ovelhas, cantava a vida campestre e a musa Marília, entremeados de um amor sereno.

Culto à Novidade — Hoje, um mundo assim é cada vez mais raro. A técnica afastou o homem da natureza e mecanizou o conhecimento. A novidade, tão-somente por ser novidade, parece valer mais do que a experiência. Os jovens já não têm tempo para os mais velhos. A última novidade parece sempre mais atrativa. Diante desse mundo que se afasta dele, o idoso, muitas vezes, se esconde no seu próprio mundo, acreditando que pode oferecer muito pouco de sua experiência às novas gerações. O resultado desse afastamento costuma ser doloroso, marcado pela solidão.

Contra esse apartheid de gerações que marca a vida moderna, não se pode fazer muita coisa. A não ser mudando profundamente toda a cultura contemporânea, o que não parece possível. Resta, portanto, tentar mitigá-lo, criando possibilidades de convivência saudável entre crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Uma convivência que seja regida pelo respeito mútuo, num permanente diálogo entre a curiosidade e a experiência, a paciência e a ansiedade, a serenidade e o impulso. Para isso, é necessário que o jovem se reconheça no idoso — tanto como o passado que ele é, quanto como o futuro que o jovem será.

Foi pensando em oferecer dignidade aos idosos que o Senado aprovou o Estatuto do Idoso. A nova lei entrou em vigor no dia 1o de janeiro de 2004. E já começa a ser descumprida pelo país afora. Em entrevista nesta edição, o senador Demóstenes Torres, do PFL de Goiás, comenta os pontos polêmicos da lei, como a gratuidade nos meios de transporte para as pessoas com 65 anos ou mais e sustenta que a lei já está valendo. Legalmente, caberá ao Ministério Público fiscalizar seu cumprimento, para que ela não se torne mais uma lei para inglês ver. Também devem ser cridos conselhos do idoso, que possam ajudar no cumprimento dessa nova lei.

Dever Moral — Entretanto, se o dever legal de fiscalizar o cumprimento da lei é do Ministério Público, o dever moral de contribuir com sua implementação é de todos nós, brasileiros. Talvez, por ser um país com uma população ainda muito jovem, o Brasil nunca se importou muito com os mais velhos. E as profundas mudanças nos costumes que ocorreram nos últimos anos contribuem para agravar ainda mais essa indiferença — quando não o desrespeito direto — que o jovem nutre pelo velho. O Estatuto do Idoso pode ser o início de uma efetiva política em beneficio dos idosos, capaz de minimizar o fosso entre as gerações.

Para isso, será necessário, em primeiro lugar, cumprir o que determina o Estatuto do Idoso. Depois, é fundamental o Estado e a sociedade voltarem-se para as gerações mais velhas, oferecendo-lhes oportunidade de lazer. Vive-se, hoje, uma cultura da juventude que é quase uma ditadura. Os espaços públicos, em sua maioria, destinam-se aos jovens. Não que eles não mereçam esses espaços — apenas a sociedade não deveria sacrificar os mais velhos para oferecer espaços aos jovens, como frequentemente acontece.

Acostumado ao privilégio de vivenciar uma cultura de massas que o tem como centro, o próprio jovem passa a tratar o idoso, no mínimo, com indiferença. O que acaba sendo um problema para o próprio jovem. Alheio à lição do passado, muitas vezes sofridas, esse jovem não percebe que, um dia, ele também há de se tornar velho. E irá precisar de cuidados, de carinho, de atenção. Mas aí já será muito tarde para reeducar o mundo à sua volta. Então, é preciso começar agora. Já!

(Jornal Opção – Goiânia – janeiro /2004- Autorizada publicação)